O Brasil tem um papel importante a desempenhar na arquitetura da governança global. O país apresenta um crescimento econômico sustentável apoiado por aspectos demográficos favoráveis, consumo crescente da classe média e ampla transformação socioeconômica. Como resultado, o clima de negócios no país vem consistentemente melhorando, e o número de pessoas que vivem em extrema pobreza caiu pela metade na última década. É hora de o país dar uma ênfase proporcional à consolidação de sua posição como líder regional e como uma das partes principais na mesa de decisões sobre governança global. O Brics oferece a plataforma perfeita para casar essas duas frentes.
O país se gaba de ser um dos maiores mercados internos do mundo e possuir um cenário empresarial sofisticado. Ocupa a 53ª posição no Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial (2001-12), e está à frente das demais nações do Brics em disponibilidade de serviços financeiros, entre outros indicadores-chave de penetração no mercado financeiro. A crescente classe média brasileira e sua elite têm inexoravelmente abraçado os parâmetros da globalização liberal, promovida pelo mundo desenvolvido. Consequentemente, desde a década de 1990, eles têm mostrado maior disposição para se embrenhar no sistema internacional, bem como aceitar regulamentos e normas transnacionais.
Solidário às normas internacionais, variando desde condutas para redução das mudanças climáticas ao impedimento da proliferação nuclear, o Brasil tem muitas vezes rompido com a famigerada postura defensiva. O que superficialmente parece representar uma redefinição das prioridades sistêmicas requer uma análise mais profunda, entretanto. De acordo com a Unidade de Inteligência Econômica do grupo editorial “The Economist”, as taxas de poupança interna no país estão abaixo de 20%. As indústrias de médio porte ainda dependem, em grande parte, dos mercados externos para levantar capital e canalizar investimentos. Via de regra, a percepção internacional sobre a economia brasileira é um componente importante da estratégia nacional. Paralelamente, a identidade latino-americana é o princípio que governos sucessivos têm se esforçado para esclarecer.
Fazer parte do grupo do Brics ajudou o Brasil a alavancar sua fama de “mercado emergente” e desassociá-lo de sua identidade latino-americana (que apresentava sua própria dinâmica complicada). Isso é evidente tanto nas esferas econômicas globais como políticas. O Brics proporciona ao Brasil uma plataforma para interagir com o sistema internacional de forma mais progressiva. Ele pode agora permear a estrutura que sustenta as regras internacionais, com mais poder de negociação, e buscar maior representação nas instituições globais de governança econômica e política. Por meio da identidade de membro do Brics, o Brasil não tem mais que abrir um vão entre o seu desenvolvimento e as necessidades para continuar crescendo. O país pode proteger os menos favorecidos dos regulamentos internacionais, sem medo de que seu “mérito de investimento” seja diluído. Pode participar das mesas de negociação globais, enquanto satisfaz as necessidades regionais. 
A morte recente de Hugo Chávez foi considerada “uma perda irreparável” pela presidente Dilma Rousseff. Isso serve como um exemplo da flexibilidade ideológica que o país utiliza para se relacionar com um vizinho dividido sobre a herança do presidente venezuelano. De fato, as táticas de equilíbrio não são uma novidade na política externa do Brasil, também chamadas de “estudo da ambivalência”. A formação plural do Brics se encaixa perfeitamente à perspectiva estratégica do Brasil em relação aos seus vizinhos e ao mundo. O país assumiu mais compromissos regionais durante o mesmo período de 20 anos em que aumentou seu envolvimento com o sistema internacional. Isso é perceptível desde uma maior participação maior em reuniões regionais de grupos de trabalho, cúpulas e encontros informais entre oficiais do governo.
Há inúmeros relatos sobre a implantação de prioridades regionais do Brasil como um instrumento de barganha. Por meio do Mercosul, o Brasil tem conseguido negociar acordos comerciais em favor de seus interesses nacionais. É o pivô da fundação desse bloco comercial de cinco membros, que recentemente incluiu a Venezuela em seu rebanho. No âmbito das negociações atuais para um acordo de livre comércio com a União Europeia, o Brasil fez de tudo para proteger as indústrias locais de importações estrangeiras mais baratas, com o apoio de outros membros, como a Argentina. Da mesma forma, interesses comuns, mais do que ideologias comuns, ditam a agenda do Brics. A associação do Brasil ao grupo está de acordo com suas necessidades estratégicas em nível regional e global.
Além da flexibilidade de adaptação que a organização informal do Brics oferece, ela permite ao Brasil grande poder para introduzir agendas específicas nas áreas de inovação, propriedade intelectual e crescimento verde. O Brasil abriga quase metade da biodiversidade do planeta; a agenda de desenvolvimento sustentável não é, portanto, nenhuma surpresa em termos de prioridade nacional. Do mesmo modo, o país tem a oportunidade de usar mecanismos como a aliança cambial do Brics para atrair investimentos. Embora a estrutura atual permita aos investidores negociar índices intermediários para o futuro, se houver vontade política, o mecanismo poderia eventualmente abranger vários produtos com diferentes ativos subjacentes, incluindo ações. Outro exemplo relevante é a cooperação no setor de aviação comercial, no qual o Brasil possui expertise incomparável entre os membros do grupo.
Há, de fato, várias oportunidades para o Brasil no Brics, e elas não estão limitadas à esfera econômica. De muitas formas, o grupo desloca o Brasil do canto esquerdo do mapa mundial para o centro, onde o teatro geopolítico é mais ativo: na Ásia e no Indo-Pacífico. No entanto, existem duas imperfeições na agenda brasileira que exigem cuidado se o Brasil for levado ao núcleo do discurso geopolítico. O primeiro é moderar sua insistência na busca de agendas “à moda do euro” como a doutrina intervencionista “responsabilidade para proteção” (baseada na ideia de que soberania não é um direito, mas uma responsabilidade), com uma alternativa ambígua definida pela “responsabilidade enquanto protege”. A soberania interessa a outros membros do Brics e levará algum tempo até as iniciativas supranacionais serem aceitas. O segundo aspecto é deixar sua relutância sobre a agenda para criação de um Banco de Desenvolvimento comandado pelo Brics. Nesse caso, o Brasil, com sua considerável experiência na área, pode ajudar a delinear um instituto confiável que irá destinar bilhões ao sul do Equador.